terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

O HSBC e o futuro

VLADIMIR SAFATLE

Quando você sai de um avião e entra no "finger" de quase todos os aeroporto do mundo, normalmente a primeira coisa que vê são frases edificantes sobre as oportunidades do futuro, a sinergia produzida pelos criativos e empreendedores, a necessidade de estar preparado para novos desafios e toda essas frases feitas vindas de manual de autoajuda de administradores de empresas à procura de uma "recolocação". As frases são uma contribuição desinteressada das campanhas publicitárias do banco HSBC para um mundo melhor.

Bem, enquanto um dos maiores bancos do mundo gastava uma pequena fortuna para criar a imagem de uma corporação preocupada com algo mais do que seus próprios interesses, sua filial suíça ajudava toda a escória do rentismo mundial a burlar impostos, operar fraudes fiscais por meio da abertura de empresas "offshores", lavar dinheiro de tráfico de armas e drogas e de desvios de verbas públicas feitos por ditadores, déspotas e seus asseclas, além de outras formas singelas de crimes.
Só entre 9 de novembro de 2006 e 31 de março de 2007, 180,6 bilhões de euros circularam por cem clientes de sua filial em Genebra e por 20 empresas offshore.
Desta forma, o sistema financeiro mundial mostra como é composto de corporações especializadas em destruir toda perspectiva de futuro, isto ao viabilizar crimes os mais variados possíveis e fornecer proteção mafiosa àqueles que acumulam fortunas, muitas vezes de forma criminosa.
Enquanto isso, seus países não têm mais dinheiro para subvencionar saúde decente e educação pública de qualidade para seus cidadãos.
Enquanto você paga impostos em cima de partes substantivas de sua renda sob uma fiscalização implacável, o pessoal do topo conta com o auxílio inestimável de corporações como o HSBC para defender seu dinheiro, venha ele de onde vier.
Um dos capítulos mais interessantes dessa história se passa, para variar, aqui mesmo. O Brasil aparece como o nono país em número de clientes envolvidos em tais operações. No entanto, nenhum nome de brasileiro foi divulgado.
Sabemos de nomes dos mais variados: do rei do Marrocos ao ator John Malkovich; do primo do presidente sírio Bashar Al-Assad ao dono de salões de beleza Jacques Dessange.
Porém, dos 8.667 clientes com vínculos com o Brasil, sendo 55% de nacionalidade pátria, não se sabe, por enquanto, absolutamente nada.
Como sempre, o Brasil é especialista em blindar os negócios escusos de sua classe de sonegadores e em defender seus rendimentos.
Mas as peças publicitárias do HSBC continuam sorrindo para nós em todos os grandes aeroportos do país. Folha, 10.02.2015.

terça-feira, 7 de outubro de 2014

Delação na Operação Lava Jato é exemplo para juízes

Ministro do STJ elogia rumos do processo, que produziu a maior recuperação de valores da Justiça, segundo ele

FREDERICO VASCONCELOSDE SÃO PAULO
O ministro Gilson Langaro Dipp, mentor da criação das varas especializadas em julgar crimes financeiros e lavagem de dinheiro, diz que a Operação Lava Jato será um exemplo para todos os juízes brasileiros.
Favorável à delação premiada, Dipp critica os advogados que alegam motivos éticos para renunciar à defesa de réus colaboradores. "Existe ética em organizações criminosas?", pergunta.
Gaúcho de Passo Fundo, Dipp advogou durante 20 anos antes de entrar na magistratura. Recém-aposentado, ele concedeu esta entrevista na última quinta-feira (2) em seu gabinete no Superior Tribunal de Justiça, em Brasília, um dia depois de completar 70 anos.
Folha - Qual é a sua avaliação da Operação Lava Jato?
Gilson Dipp - Ela produziu a maior recuperação de valores da Justiça brasileira em todos os tempos. É importante, pois investiga fatos envolvendo a maior empresa pública brasileira [Petrobras]. Talvez seja o maior desvio de dinheiro público admitido por um investigado desde o caso Banestado.

Qual é a importância da delação premiada?
É a primeira vez que o Supremo trata, numa ação penal originária [desde o início no STF], do instituto processual da delação premiada, regulamentada por lei no ano passado. Vai ser um exemplo para todos os juízes.

Como o senhor vê advogados renunciarem alegando que a delação premiada fere a ética, pois estimula a deduragem?
Existe ética entre integrantes de organizações criminosas? Antes, os advogados criticavam a interceptação telefônica como a grande prova. Hoje, os tribunais têm uma interpretação quase uniforme do que pode ser utilizado como prova. A delação premiada está na lei. O advogado atua no interesse do réu, evidentemente remunerado. Com a delação premiada, passa a ser mero fiscalizador do cumprimento do acordo.

Como viu, nos últimos anos, as várias operações contra crimes de colarinho branco serem arquivadas?
Com preocupação. Elas envolvem técnicas de investigação muito complexas. Os tribunais superiores não têm essa experiência e sensibilidade. Qualquer mácula, uma intercepção telefônica além do prazo, uma operação que nasceu numa denúncia anônima, provocava a nulidade.

Foi o caso da Operação Castelo de Areia, por exemplo...
Esse é um exemplo de operação que tinha grandes possibilidades de ir mais longe, de esclarecer a corrupção do financiamento político, o envolvimento de agentes públicos e privados, grandes empresas.

Como vê o distanciamento entre a sentença do juiz de primeiro grau e a decisão dos tribunais superiores?
É muito grande. Os tribunais superiores, em especial o Supremo, são extremamente rigorosos na apreciação de provas. O STF não tem a vocação para processar e julgar uma ação originária. Essa frustração dos juízes de primeiro grau realmente existe. Agora, o juiz tem que ter a isenção suficiente e a perspicácia para não se envolver com o caso que ele preside. O juiz não é investigador.

Em 2008, o senhor disse que, como corregedor do CNJ, foi penoso afastar o ministro Paulo Medina, colega do STJ. A ação penal ainda não foi julgada.
Isso mostra a deficiência do nosso sistema, por causa do foro especial ou da falta de vocação e de estrutura dos tribunais superiores.

O Tribunal de Justiça da Bahia foi investigado em sua gestão no CNJ. Dois desembargadores afastados em 2013, e ainda investigados, reassumiram com foguetório, homenageados pelo governador e pelo prefeito. Como viu esse fato?
Isso mostra a imagem da sensação de impunidade, de enfrentamento do sistema legal. Esse acinte, de serem recebidos com festa, parece que é para desmoralizar a Justiça.

Como avalia a suspensão da ação contra militares acusados de matar o ex-deputado Rubens Paiva?
Eu participei do início dos trabalhos da Comissão da Verdade. Sempre foi muito difícil a colaboração efetiva das Forças Armadas. Que elas participaram de tortura, sequestros, ninguém tem dúvida. É o Estado que tem de se desculpar publicamente. Folha, 07.10.14

A lei que pegou

IGOR SANT'ANNA TAMASAUSKAS E PIERPAOLO CRUZ BOTTINI

A Lei Anticorrupção pegou porque em alguns setores empresariais se instalou uma saudável preocupação com os efeitos da norma

Há nove meses entrou em vigor a Lei Anticorrupção. Esse período é suficiente para analisar alguns de seus efeitos concretos, bem como decantar algumas preocupações.
Antes, porém, é fundamental lembrar a grande inovação dessa lei: a responsabilidade objetiva das empresas beneficiadas por atos de corrupção. Assim, se uma corporação obtiver vantagem com um ato ilícito, sofrerá as sanções legais, mesmo que não tenha determinado a realização do ato.
Por exemplo: uma empresa contrata distribuidoras regionais para fornecimento de bens ao poder público para se blindar de punições. Se essas distribuidoras usarem de propina para obtenção de contratos públicos, aquela empresa será punida também, mesmo que desconheça o ato ou discorde dele.
Passados esses meses, é momento de avaliação. Poucos processos para apurar atos praticados com base na Lei Anticorrupção foram instaurados. Nenhum julgado ou decidido. Há quem veja fracasso nesse dado, mais um exemplo de lei que "não pegou". A conclusão parece precipitada. A ausência de processos relacionados à nova lei pode decorrer do fato de que apenas condutas posteriores à sua aprovação sofrem seus efeitos.
Além disso, o número de punições não é um indicativo de eficácia de uma norma. Ao contrário, é possível perceber a aceitação de uma regra quando as pessoas a cumprem quando reconhecem seu valor e suas diretrizes. Nesses casos, não haverá processos ou sanções.
Sob esse prisma, pode-se dizer que a lei gerou efeitos práticos mesmo antes de entrar em vigor. Foram criados códigos de ética, programas de treinamento de funcionários e desenvolvidas políticas de integridade, com o objetivo de incorporar valores éticos e mudar padrões de comportamento corporativo.
Cláusulas de compromissos anticorrupção foram adicionadas aos contratos de prestação de serviços e muitas corporações iniciaram investigações para identificar e extirpar focos de condutas ilícitas.
Em suma, instalou-se em alguns setores uma saudável preocupação com os efeitos da lei. E isso mostra sua eficácia, mesmo que processos e sanções não sejam uma realidade neste momento. Por outro lado, nesses meses de reflexões e debates, algumas preocupações com a aplicação da norma ganharam corpo.
A amplitude da responsabilidade objetiva, a falta de critérios para definir o valor das multas, a preocupação com o número de pessoas autorizadas a processar e punir com base na lei são apreensões legítimas, que merecem atenção daqueles que devem regular a aplicação da norma e decidir casos concretos.
Há também insegurança sobre quais os parâmetros serão levados em conta pelas autoridades para considerar suficientes os controles internos da empresa.
Enfim, esse período de preparação foi permeado de aflições legítimas à espera dos primeiros sinais para a aplicação da Lei Anticorrupção pela administração pública.
Esses meses nos quais o mundo empresarial discutiu com seriedade o problema da corrupção e formas de evitá-lo, constatamos que é possível uma nova cultura, uma nova forma de se relacionar com o poder público, para além dos pequenos e grandes favores que beneficiam funcionários e corporações, mas que prejudicam o ambiente político e econômico do país.

segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Escritor ameaçado decifra o narcotráfico: Autor de 'Gomorra', sobre a máfia, Roberto Saviano diz que prisão é 'habitat natural' dos traficantes brasileiros

Depois de 10 milhões de livros vendidos, italiano que vive escondido lança 'Zero Zero Zero', com foco no comércio das drogas

SYLVIA COLOMBODE SÃO PAULO
Desde que publicou "Gomorra", livro sobre a máfia italiana que vendeu mais de 10 milhões de exemplares, o escritor italiano Roberto Saviano, 35, vive recluso, em endereço desconhecido e com forte esquema de segurança, esquivando-se de ameaças de morte vindas de líderes criminosos italianos.
Agora, Saviano aponta para as redes internacionais do narcotráfico, nas quais a América Latina tem papel determinante.
Em "Zero Zero Zero", que sai pela Companhia das Letras, está a gênese dos cartéis colombianos, a formação das rotas mexicanas e um detalhamento de como o Brasil se enquadra nesse esquema.
Em entrevista à Folha, por e-mail, Saviano defende a liberação das drogas como solução para o fim da violência.
-
Folha - Por que investigar a cocaína?

Roberto Saviano - Há anos me surpreendo com a quantidade de dinheiro que o narcotráfico movimenta. Em alguns países, trata-se de uma cifra muito maior do que a que maneja o Estado. A cocaína é uma droga muito difundida porque está relacionada à performance. Te dá a ilusão de ser uma ajuda no cotidiano. Que te faz trabalhar melhor, atuar melhor, amar melhor, mas, na verdade, ela está te destruindo.

Como foram suas investigações no México? Você usou uma rede de colaboradores?
Minha fonte principal são dados da polícia, de juízes, advogados e investigadores que conheci em viagens. E também ex-membros de cartéis criminosos que decidiram contar sua história.
Eles fazem isso por senso de vingança ou por vontade de contar a própria versão dos fatos.
Como foi sua pesquisa no Brasil? Qual a particularidade do narcotráfico aqui, comparado com o México?
Brasil e México têm distintos papéis no tráfico de drogas. O México é um ponto importante na cadeia do narcotráfico, porque as maiores organizações que controlam o abastecimento de cocaína para os Estados Unidos e a Europa são mexicanas.
O Brasil é basicamente um ponto de trânsito. Cerca de 25% das 200/300 toneladas de cocaína que são consumidas na Europa anualmente passam pelo Brasil.
Devido à sua posição geográfica, o Brasil é precioso. Tem fronteira com Colômbia, Peru e Bolívia (os três maiores produtores de cocaína no mundo), e ainda tem uma longa costa no Atlântico, muito difícil de patrulhar.
Muita da cocaína que passa pelo Brasil permanece aí. O Brasil possui 2,8 milhões de usuários por ano, é o segundo maior consumidor de cocaína no mundo (o primeiro é os EUA).
Mas, durante minha investigação aí, o que mais me impressionou foi que as sentenças dadas aos narcos são muito severas, mas prisões parecem ser seus habitats naturais.
Atrás das grades, os líderes narcos brasileiros tomam decisões, fazem alianças, matam narcos rivais, organizam rebeliões dentro e fora das penitenciárias.

Numa entrevista, você disse que gostaria de ver as drogas legalizadas. Por quê?
Uma coisa é certa, a política repressiva e proibicionista não somente não serve a ninguém, como contribuiu para fortalecer os grupos armados. Legalizar significa iniciar lentamente a redução do poder de ação dos que produzem e distribuem ilegalmente a droga.
Infelizmente, somos incapazes de perseguir essa rota, especialmente na Europa, onde nem sequer começamos um debate sobre o assunto.

Em sua narrativa, você nunca menciona suas fontes e tenta fazer com que seja uma narrativa de não ficção disfarçada de ficção. Por quê?
Chamo o que faço de romance de não ficção e o escolhi porque acredito que a história do mundo criminoso deveria sair do ambiente restrito de experts e tornar-se compreensível para todos aqueles que se importam uns com os outros.
Para fazer isso, você não pode citar documentos legais. Quaisquer referências em "Zero Zero Zero" seriam maiores do que o livro. E notas de rodapé o fariam ilegível.

quinta-feira, 3 de julho de 2014

Copa do Mundo - Emaranhado das redes - PAULA CESARINO COSTA


RIO DE JANEIRO - As redes nos gramados balançaram aqui como não se via há muito tempo. A alegria nos estádios e nas ruas, mesmo que com provocações às vezes destemperadas, é outro gol simbólico. Mas há na Copa do Mundo de futebol alguns emaranhados preocupantes --uns por interesses financeiros, outros por interesses escusos.
A Fifa fez quase tudo o que quis por aqui. Conseguiu que fosse aprovada a abusiva Lei Geral da Copa. Pressionou, por exemplo, pela revogação do veto ao consumo de álcool nos estádios, como prevê o Estatuto do Torcedor. Pensava só nos contratos de patrocínio. Agora, cogita proibir o álcool por temer violência. Não havia pensado nisso antes?
Na Copa de 2010, a Fifa faturou US$ 2,4 bilhões com a comercialização de direitos de transmissão e cerca de US$ 300 milhões com a venda de ingressos. Na de 2014 deve bater recordes de faturamento e de pedidos de ingressos, mais de 11 milhões. Não se viu por aqui estádios vazios, como aconteceu na Copa da África do Sul e na do Japão/Coreia. O país do futebol faz festa em qualquer jogo.
Dinheiro chama dinheiro --e também desviadores de dinheiro. Nesta semana, a prisão da quadrilha com um esquema profissional de venda ilegal de ingressos mostra a dimensão internacional e perene da máfia. Pululam suspeitas sobre integrantes da Fifa, de confederações, amigos de jogadores e ex-jogadores, alguns até campeões mundiais pelo Brasil.
O episódio de aviões cheios de dinheiro enviados às seleções de Gana e da Nigéria colaborou para interpretações pouco esportivas, como a venda de resultados ou o pagamento pela expulsão de atletas.
Quase tudo é superlativo na Copa no Brasil. Se tem sido lenitivo o balançar das redes, é aflitivo e preocupante o movimento das redes do submundo. Sem controle e pouco investigadas, misturam bola, interesses escusos e dinheiro sujo. Folha 03.07.2014.

quinta-feira, 22 de maio de 2014

Sonegação: Credit Suisse é multado em US$ 2,5 bi nos EUA

DA REUTERS


O Credit Suisse acertou o pagamento de uma multa de US$ 2,5 bilhões por ajudar norte-americanos a sonegar impostos, após se tornar o maior banco em 20 anos a se declarar culpado ante uma acusação criminal nos Estados Unidos.
A admissão de culpa do banco resolve sua antiga disputa com os EUA sobre evasão fiscal, mas pode ter implicações para os seus clientes e as instituições que fazem negócios com o grupo.
O Credit Suisse disse que não constatou impacto material nas últimas semanas em seus negócios, e que clientes não enfrentam obstáculos legais para fazer negócios com o banco apesar da admissão de culpa.
O segundo maior banco da Suíça escapou do que poderiam ter sido as piores consequências para seu negócio – seus executivos permaneceram no lugar e o banco não terá de entregar dados de clientes, protegidos por leis suíças de sigilo. O regulador bancário do Estado de Nova York decidiu não revogar a licença do banco no Estado.
Promotores dos EUA disseram que o banco ajudou clientes a enganar autoridades fiscais americanas escondendo patrimônio em contas bancárias ilegais e não declaradas, em uma conspiração que durou décadas, e que em um caso começou há mais de um século.
O Credit Suisse contabilizará um encargo pós-impostos de 1,6 bilhão de francos suíços (US$ 1,79 bilhão) no segundo trimestre pela multa, que é muito maior que a multa de US$ 780 milhões paga pelo rival suíço UBS por um acordo sobre uma disputa fiscal em 2009. Folha, 20.05.2014.

terça-feira, 20 de maio de 2014

Vem mais cocaína por aí

Acordo na Colômbia, quando implantado, tende a fazer tráfico migrar para os vizinhos, Brasil inclusive
CLÓVIS ROSSI
O governo colombiano chegou, na semana passada, a um acordo com as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) sobre o tema da cocaína que pode provocar um choque razoável no negócio do narcotráfico, que movimenta algo em torno de US$ 300 bilhões (R$ 663 bilhões), segundo cálculos recentes do megainvestidor George Soros.
É lógico supor que, uma vez implementado o acordo, haverá inescapavelmente efeitos no Brasil, em geral considerado o segundo maior consumidor de cocaína.
Comecemos pelos pontos principais do acordo: primeiro, as Farc expressaram publicamente sua vontade de "pôr fim a qualquer relação que tenha existido com este fenômeno [o do narcotráfico]", conforme relato do jornal "El Tiempo".
Segundo, a guerrilha promete colaborar para a erradicação (voluntária) das plantações de folha de coca, matéria-prima da cocaína. Mais: a prioridade será a erradicação manual, em vez da fumigação, que gera sequelas ambientais e de saúde.
É bom deixar claro que o acordo só será implementado se e quando houver um entendimento sobre os seis pontos da agenda que está sendo negociada. Até agora, há acordo sobre três deles, incluindo o da cocaína.
Para entender o tamanho do choque, é preciso ter em conta que "a guerrilha é um jogador de primeira linha no narcotráfico na Colômbia, graças à sua presença nos principais encraves cocaleiros e a várias de suas frentes estarem envolvidas plenamente no negócio", conforme o relato de "El Tiempo".
Mais: "Seus homens protegem os cultivos em vários Departamentos [Estados]".
Se esse ator "de primeira linha" sair do jogo, o efeito será grande, mesmo se se aceitar que alguns guerrilheiros recalcitrantes preferirão continuar no negócio como franco-atiradores.
Como a Colômbia, ao lado do Peru, é o maior produtor mundial de cocaína, o efeito estende-se necessariamente além de suas fronteiras. Em entrevista à agência France Presse, o economista e especialista em drogas Felipe Tascón diz que, se se eliminar o problema na Colômbia, "a produção vai se concentrar no Peru ou pode aparecer em países como Venezuela ou Equador".
Eu acrescentaria o Brasil nessa lista, até por ser o único que tem fronteiras com os três grandes produtores (Peru, Bolívia e Colômbia).
Anos atrás, em conversa com um embaixador norte-americano na Colômbia, ouvi dele que, em razão da repressão na Colômbia, o narcotráfico já migrava para o Brasil. Nada mais natural que, desprotegido pelo afastamento da guerrilha, a migração só aumente, ainda mais se se considerar que as fronteiras brasileiras são sabidamente porosas.
Os valores envolvidos no negócio são formidáveis: Daniel Mejía, diretor do Centro sobre Segurança da Universidade dos Andes, que fez várias pesquisas sobre o tema, disse a "El Tiempo" que a guerrilha recebe cerca de US$ 2,5 bilhões (R$ 5,52 bilhões) ao ano com o narcotráfico, "metade do que se movimenta no país por essa atividade ilegal".
Um adversário tremendo, não?
Folha, 20.05.2014.
www.abraao.com